Aos poucos, o governo federal vem modificando as regras de controle de armas no Brasil. São portarias e decretos publicados sem muito alardes. As mudanças atendem os anseios da chamada bancada da segurança pública, que propõe a extinção do Estatuto do Desarmamento. Entre as alterações, está o aumento da validade da posse de arma de fogo para cidadãos comuns. Outras novas regras estão sendo estudadas pelo ministérios da Justiça e da Defesa.
O governo começou a editar as mudanças mais significativas no fim de dezembro de 2016. Em um decreto, ampliou de três para cinco anos o registro de arma de fogo, que dá direito à posse. O decreto permite o cidadão manter o armamento em casa ou no trabalho, caso seja o dono ou o responsável legal pelo estabelecimento comercial ou empresa.
O mesmo decreto tirou do rol de documentos necessários para todas as renovações do registro o atestado de capacidade técnica. Antes exigido a cada três anos, o documento que prova habilidade para manusear a arma terá que ser apresentado, agora, de 10 em 10 anos — ou a cada duas revalidações. Porém, o teste psicológico e a certidão de antecedentes criminais continuam obrigatórias em todas as renovações, no novo prazo de cinco anos.
Militares da reserva e profissionais aposentados com direito a porte de arma também foram beneficiados com a ampliação do prazo de validade do atestado psicológico, de três para cinco anos, que tem de ser apresentado.
O presidente do Movimento Viva Brasil, Bene Barbosa, que defende o fim do Estatuto do Desarmamento, afirma que as mudanças representam a flexibilização necessária, mas não suficiente, para garantir o direito das pessoas de ter armas. Para ele, os prazos deveriam ser ainda mais dilatados e o procedimento para se ter porte ou posse, desburocratizado.
“As mudanças recentes são um indicativo de que a política do desarmamento adotada nos últimos anos pelo governo federal, desde Fernando Henrique Cardoso, passando pelo Lula e a Dilma Rousseff, precisa ser mudado porque não deu resultados no combate à violência”, afirmou Bene Barbosa, em entrevista ao O Globo.
Ele reconhece ter havido uma redução dos homicídios após a edição do Estatuto do Desarmamento, no fim de 2003, mas não atribui o fenômeno à legislação. Para Barbosa, experiências pontuais de redução de assassinatos, principalmente no Estado de São Paulo, explicam a queda na média nacional, que saiu de 24,5 para 19 mortes por arma de fogo a cada 100 mil habitantes entre 2004 e 2007. A taxa voltou a subir a partir de 2009, retornando, em 2014, ao patamar anterior ao Estatuto, último ano com dados disponíveis.
Autor do Mapa da Violência, que traça as causas de homicídios no Brasil há quase três décadas, o sociólogo Julio Jacobo defende o Estatuto como um dos responsáveis pela redução inicial e posterior estabilização dos homicídios no País, principalmente por conta das campanhas de entrega voluntária de armas, depois abandonadas pelo governo. Em entrevista ao O Globo, ele disse que o aumento das mortes nos últimos anos ocorre pelo relaxamento no controle de armas e ausência de políticas estruturais contra a criminalidade violenta, com foco em investigação e inteligência.
“Essas mudanças recentes, olhadas de forma isolada, parecem pequenas, mas consideradas em conjunto poderão tornar o Estatuto do Desarmamento praticamente inócuo”, disse Jacobo.
Outra alteração, estabelecida por decreto e regulamentada por portaria publicada no dia 2 deste mês, é a destinação de fuzis, metralhadoras, carabinas e espingardas apreendidos a órgãos de segurança e Forças Armadas. Até então, o material era destruído. Agora, se o Exército e o Ministério da Justiça autorizarem, poderá ser doado para órgãos estatais, desde que em boas condições de uso e dentro da quantidade permitida para cada instituição.
O governo federal estuda outras alterações nas regras sobre armas. No Ministério da Defesa, um novo texto sobre regulação de produtos controlados vem sendo debatido. Uma das principais alterações é a permissão para órgãos de segurança e Forças Armadas importar armas. Hoje, as instituições só podem comprar lá fora se não houver similar no mercado interno, o que é criticado como um requisito subjetivo.
No Ministério da Justiça, uma pauta apresentada por deputados da bancada da segurança pública ao ministro Osmar Serraglio foi encaminhada para a área técnica. A principal reivindicação é que a Polícia Federal dê autorização para acesso à arma caso o requerente apresente todos os documentos exigidos, retirando a avaliação feita hoje sobre a necessidade alegada pelo cidadão. Aumentar de três para cinco anos a validade do porte e permitir que guardas municipais tenham acesso a armamentos de uso restrito são outras medidas em estudo pelo governo.
O Serraglio disse ao jornal O Globo que não tem opinião formada sobre as propostas, mas que é preciso estudá-las para buscar um equilíbrio entre a lei atual, mais restritiva, e o referendo de 2005, pelo qual a população se posicionou favorável ao comércio de armas. Questionado sobre qual lado deve ser atendido pelas mudanças, Serraglio tergiversa:
“Nem tanto ao mar, nem tanto à Terra. Tem que ter alguma coisa que não rasgue uma decisão popular, mas que também interprete até onde ela se manifestou. É preciso avaliar que tipo de arma, qual cidadão está pedindo. Se ele mora no interior do Mato Grosso é muito diferente de um que mora em Brasília. Temos que avaliar”.
Uma portaria editada pelo Exército há menos de dois meses concedeu a atiradores desportivos o porte de trânsito, o que permite que se desloquem até o estande de tiro ou local de competição com uma arma municiada. Até então, eles só podiam transitar com as peças descarregadas. A portaria foi divulgada pelo Blog do Elimar Côrtes em primeira mãe, em fevereiro deste ano.
A medida beneficiou cerca de 90 mil atiradores cadastrados no Exército, que reivindicavam o porte de trânsito há anos. Entidades que defendem o Estatuto do Desarmamento já estudam questionar judicialmente a portaria, alegando que, na prática, houve concessão automática de porte de arma a um número exagerado de pessoas, contrariando pilares básicos da atual legislação:
“Numa única canetada, sem conversar com ninguém, o Exército concedeu cerca de 90 mil portes, número 54 vezes maior que as 1.641 autorizações semelhantes concedidas pela PF no ano de 2016”, compara Felippe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, segundo O Globo.
O diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, general Ivan Neiva, garante que a medida não cria riscos à população, “visto que o porte é restrito para o trajeto entre o local da guarda da arma e o da atividade”. Além disso, ele destaca que os atiradores são pessoas com alta capacidade técnica e que atendem aos demais critérios exigidos dos civis, como laudo psicológico e ficha de antecedentes criminais:
“Nenhuma mudança instituída foge ao que determina o Estatuto do Desarmamento, que é a lei em vigor e tem que ser respeitada. Os atiradores são um grupo muito bem controlado, sobre o qual não temos registro de problemas”, afirma o general.
O deputado Laudívio Carvalho (SD-MG), relator do projeto que revoga o Estatuto do Desarmamento, diz que as mudanças recentes feitas pelo governo não esvaziam seu relatório. Para ele, reforçam as propostas que a bancada da bala tenta aprovar no Congresso:
“Nosso projeto vai além das medidas já implementadas. São mudanças pedidas pela sociedade, que rejeita as regras atuais exageradamente restritivas e que em nada ajudaram na redução da criminalidade”, disse Laudívio Carvalho ao Globo.
O governo começou a editar as mudanças mais significativas no fim de dezembro de 2016. Em um decreto, ampliou de três para cinco anos o registro de arma de fogo, que dá direito à posse. O decreto permite o cidadão manter o armamento em casa ou no trabalho, caso seja o dono ou o responsável legal pelo estabelecimento comercial ou empresa.
O mesmo decreto tirou do rol de documentos necessários para todas as renovações do registro o atestado de capacidade técnica. Antes exigido a cada três anos, o documento que prova habilidade para manusear a arma terá que ser apresentado, agora, de 10 em 10 anos — ou a cada duas revalidações. Porém, o teste psicológico e a certidão de antecedentes criminais continuam obrigatórias em todas as renovações, no novo prazo de cinco anos.
Militares da reserva e profissionais aposentados com direito a porte de arma também foram beneficiados com a ampliação do prazo de validade do atestado psicológico, de três para cinco anos, que tem de ser apresentado.
O presidente do Movimento Viva Brasil, Bene Barbosa, que defende o fim do Estatuto do Desarmamento, afirma que as mudanças representam a flexibilização necessária, mas não suficiente, para garantir o direito das pessoas de ter armas. Para ele, os prazos deveriam ser ainda mais dilatados e o procedimento para se ter porte ou posse, desburocratizado.
“As mudanças recentes são um indicativo de que a política do desarmamento adotada nos últimos anos pelo governo federal, desde Fernando Henrique Cardoso, passando pelo Lula e a Dilma Rousseff, precisa ser mudado porque não deu resultados no combate à violência”, afirmou Bene Barbosa, em entrevista ao O Globo.
Ele reconhece ter havido uma redução dos homicídios após a edição do Estatuto do Desarmamento, no fim de 2003, mas não atribui o fenômeno à legislação. Para Barbosa, experiências pontuais de redução de assassinatos, principalmente no Estado de São Paulo, explicam a queda na média nacional, que saiu de 24,5 para 19 mortes por arma de fogo a cada 100 mil habitantes entre 2004 e 2007. A taxa voltou a subir a partir de 2009, retornando, em 2014, ao patamar anterior ao Estatuto, último ano com dados disponíveis.
Autor do Mapa da Violência, que traça as causas de homicídios no Brasil há quase três décadas, o sociólogo Julio Jacobo defende o Estatuto como um dos responsáveis pela redução inicial e posterior estabilização dos homicídios no País, principalmente por conta das campanhas de entrega voluntária de armas, depois abandonadas pelo governo. Em entrevista ao O Globo, ele disse que o aumento das mortes nos últimos anos ocorre pelo relaxamento no controle de armas e ausência de políticas estruturais contra a criminalidade violenta, com foco em investigação e inteligência.
“Essas mudanças recentes, olhadas de forma isolada, parecem pequenas, mas consideradas em conjunto poderão tornar o Estatuto do Desarmamento praticamente inócuo”, disse Jacobo.
Outra alteração, estabelecida por decreto e regulamentada por portaria publicada no dia 2 deste mês, é a destinação de fuzis, metralhadoras, carabinas e espingardas apreendidos a órgãos de segurança e Forças Armadas. Até então, o material era destruído. Agora, se o Exército e o Ministério da Justiça autorizarem, poderá ser doado para órgãos estatais, desde que em boas condições de uso e dentro da quantidade permitida para cada instituição.
O governo federal estuda outras alterações nas regras sobre armas. No Ministério da Defesa, um novo texto sobre regulação de produtos controlados vem sendo debatido. Uma das principais alterações é a permissão para órgãos de segurança e Forças Armadas importar armas. Hoje, as instituições só podem comprar lá fora se não houver similar no mercado interno, o que é criticado como um requisito subjetivo.
No Ministério da Justiça, uma pauta apresentada por deputados da bancada da segurança pública ao ministro Osmar Serraglio foi encaminhada para a área técnica. A principal reivindicação é que a Polícia Federal dê autorização para acesso à arma caso o requerente apresente todos os documentos exigidos, retirando a avaliação feita hoje sobre a necessidade alegada pelo cidadão. Aumentar de três para cinco anos a validade do porte e permitir que guardas municipais tenham acesso a armamentos de uso restrito são outras medidas em estudo pelo governo.
O Serraglio disse ao jornal O Globo que não tem opinião formada sobre as propostas, mas que é preciso estudá-las para buscar um equilíbrio entre a lei atual, mais restritiva, e o referendo de 2005, pelo qual a população se posicionou favorável ao comércio de armas. Questionado sobre qual lado deve ser atendido pelas mudanças, Serraglio tergiversa:
“Nem tanto ao mar, nem tanto à Terra. Tem que ter alguma coisa que não rasgue uma decisão popular, mas que também interprete até onde ela se manifestou. É preciso avaliar que tipo de arma, qual cidadão está pedindo. Se ele mora no interior do Mato Grosso é muito diferente de um que mora em Brasília. Temos que avaliar”.
Uma portaria editada pelo Exército há menos de dois meses concedeu a atiradores desportivos o porte de trânsito, o que permite que se desloquem até o estande de tiro ou local de competição com uma arma municiada. Até então, eles só podiam transitar com as peças descarregadas. A portaria foi divulgada pelo Blog do Elimar Côrtes em primeira mãe, em fevereiro deste ano.
A medida beneficiou cerca de 90 mil atiradores cadastrados no Exército, que reivindicavam o porte de trânsito há anos. Entidades que defendem o Estatuto do Desarmamento já estudam questionar judicialmente a portaria, alegando que, na prática, houve concessão automática de porte de arma a um número exagerado de pessoas, contrariando pilares básicos da atual legislação:
“Numa única canetada, sem conversar com ninguém, o Exército concedeu cerca de 90 mil portes, número 54 vezes maior que as 1.641 autorizações semelhantes concedidas pela PF no ano de 2016”, compara Felippe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, segundo O Globo.
O diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, general Ivan Neiva, garante que a medida não cria riscos à população, “visto que o porte é restrito para o trajeto entre o local da guarda da arma e o da atividade”. Além disso, ele destaca que os atiradores são pessoas com alta capacidade técnica e que atendem aos demais critérios exigidos dos civis, como laudo psicológico e ficha de antecedentes criminais:
“Nenhuma mudança instituída foge ao que determina o Estatuto do Desarmamento, que é a lei em vigor e tem que ser respeitada. Os atiradores são um grupo muito bem controlado, sobre o qual não temos registro de problemas”, afirma o general.
O deputado Laudívio Carvalho (SD-MG), relator do projeto que revoga o Estatuto do Desarmamento, diz que as mudanças recentes feitas pelo governo não esvaziam seu relatório. Para ele, reforçam as propostas que a bancada da bala tenta aprovar no Congresso:
“Nosso projeto vai além das medidas já implementadas. São mudanças pedidas pela sociedade, que rejeita as regras atuais exageradamente restritivas e que em nada ajudaram na redução da criminalidade”, disse Laudívio Carvalho ao Globo.