Em entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes, o titular da 3ª Procuradoria de Contas do Ministério Público de Contas do Estado do Espírito Santo, Heron Carlos Gomes de Oliveira, explica como se deram (e ainda se dão) as ligações perigosas da Odebrecht – uma das maiores empreiteiras do Brasil e uma das principais alvos da Operação Lava Jato – com o poder político e econômico do Espírito Santo.
As ligações, que são retratadas num minucioso relatório do MPC/ES, foram encaminhadas à Procuradoria da República no Estado por meio do Ofício MPC n.º 67/2017, de 20 de abril deste ano. O ofício contém um dossiê em que o procurador Heron Carlos de Oliveira aponta “irregularidades praticadas na concessão da BR-101, Rodovia do Sol e Terceira Ponte” a poderosos grupos econômicos e políticos capixabas.
Em outubro de 2016, o Ministério Público de Contas protocolou Representação, na qual aponta formação de um cartel responsável por fraudar o processo licitatório da concessão do Sistema Rodovia do Sol e articular a transferência irregular do direito de administrar e explorar a concessão.
Na mesma ação, o MPC/ES detalha que o consórcio construiu obras com qualidade inferior à contratada pelo Estado do Espírito Santo. Obras que foram financiadas com recursos públicos.
O trabalho do MPC/ES, produzido a partir dos trabalhos realizados pelos auditores de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), bem como pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Rodosol de 2004, permitiu identificar um projeto de poder envolvendo a participação articulada de agentes públicos e privados – qualificado pelo Relatório da CPI como “conluios abjetos e ação entre amigos para, sob os auspícios da atuação ilegítima do Estado, obterem ganhos exorbitantes e enriquecimento ilícito com a aparência de legalidade”.
Consta no Relatório Final da CPI da Rodosol de 2004, “entre outras relevantes informações”, que os líderes empresariais capixabas, nomeados pelo então governador Vitor Buaiz (PT) como membros do Conselho de Reforma do Estado, tiveram acesso a informações privilegiadas que lhes permitiram “adquirir” do grupo Odebrecht o direito de explorar o pedágio da Terceira Ponte por meio da Operação de Rodovias Ltda (ORL).
De acordo com o relatório, a ORL, “menos de três meses da sua aquisição pelos referidos grupos econômicos locais, seria beneficiada com uma indenização de R$ 11,5 milhões decorrente da encampação irregular da concessão da Terceira Ponte mediante decreto expedido pelo governador Vitor Buaiz sem a necessária autorização da Assembleia Legislativa”.
No último domingo (25/06), o Blog do Elimar Côrtes informou, com exclusividade, a iniciativa do Ministério Público de Contas capixaba de encaminhar à Procuradoria da República no Rio Grande do Norte Ofício MPC nº 204/2017, de 20 de junho de 2017, que contém informações acerca de irregularidades praticadas em concessões rodoviárias federal (BR-101, no Espírito Santo e na Bahia) e estadual (Rodovia do Sol), pelo grupo econômico capixaba Tervap Pitanga, cuja holding Caraíva Participações Ltda., de propriedade do empresário Fernando Aboudib Camargo, é sócia do ex-deputado federal Henrique Eduardo Lyra Alves na TV Cabugi, afiliada da Rede Globo em Natal.
No dia 22 de junho deste ano, a BR-101 Sul, em Guarapari, foi palco de um grave acidente, que resultou na morte de 23 pessoas. A tragédia anunciada envolveu uma carreta que transportava rocha, um ônibus da Viação Águia Branca, uma mini-van da Prefeitura de Jerônimo Monteiro e uma ambulância da Prefeitura de Alfredo.
Blog do Elimar Côrtes – Lendo o teor do Ofício MPC n.º 67/2017, expedido em 20 de abril de 2017 ao procurador da República no Espírito Santo, André Pimentel Filho, o MPC/ES faz um verdadeiro Raio-X das irregularidades verificadas nas concessões da BR-101/ES/BA e do Sistema Rodovia do Sol. Como foi chegar a esse trabalho com tamanha riqueza de detalhes?
Procurador de Contas Heron Carlos Gomes de Oliveira– Nosso ponto de partida encontra-se no trabalho de auditoria, realizada pelo corpo técnico do Tribunal de Contas, no contrato de concessão do Sistema Rodovia do Sol, que é o processo TC 5591/2013 e se encontra em vias de início de julgamento.
A partir dos inúmeros elementos constantes desse trabalho, houve a necessidade de sua expansão, pois, infelizmente, devido às limitações de tempo e de recursos humanos, bem como à metodologia utilizada, o TCE-ES não incluiu no escopo da auditoria realizada no Processo TC 5591/2013 muitos pontos pendentes de apuração, dentre os quais, por exemplo, se encontram os indícios de irregularidade na concessão da Terceira Ponte, na transferência do seu controle para a empresa Operação de Rodovias Ltda. (ORL) e no decreto do Governador do Estado que encampou a concessão da Terceira Ponte, gerando uma indenização de R$ 11.500.000,00 em favor da ORL.
– Embora o senhor não cite o termo, pode-se afirmar que as ações promovidas por esses grupos políticos e econômicos, a fim de perpetuar um grande esquema de enriquecimento, é fruto de organizações criminosas?
– Possuímos no Brasil, a par de um conceito comum, uma definição legal da expressão ‘organização criminosa’ ditada pela Lei 12.850/2013. Como o Ministério Público de Contas não possui competência criminal, não me sinto à vontade em tecer considerações acerca de eventuais aspectos criminais que possam envolver as situações em análise.
No entanto, quando identificamos a ocorrência de fatos penalmente relevantes que, em tese, possam configurar cometimento de crimes, compartilhamos tais informações com todas as instituições e órgãos com atribuições afetas à persecução criminal.
Esse raciocínio também se aplica a situações em que se vislumbram notas de improbidade administrativa ou outros ilícitos civis. Uma vez, em tese, constatadas, promove-se o intercâmbio de informações no sentido de auxiliar o desempenho das competências constitucionalmente atribuídas de outros órgãos e instituições, com fundamento em diversos termos de cooperação, bem como no dever legal imposto ao servidor público de assim proceder.
– O senhor poderia discriminar qual o papel de cada seguimento (Político, Executivo Estadual, Assembleia Legislativa, classe empresarial, Judiciário, Tribunal de Contas) nessa estrutura de poder? Caso, é claro, haja participação de membros desses seguimentos na estrutura criminosa.
– Em igual sentido, não me sinto à vontade em tecer considerações acerca de eventuais atuações criminosas dos atores envolvidos, em face de não atuar na seara criminal.
– O senhor acredita que as pessoas e empresas citadas no relatório serão alvo de investigação por parte do Ministério Público Federal ou Estadual?
– Não tenho dúvidas de que, uma vez conhecendo-se tais situações, haverá uma pronta resposta dessas instituições, no sentido de envidar esforços com vistas à adoção das medidas pertinentes.
– Nota-se pelo relatório do MPC/ES a forte ligação da Odebrecht com a estrutura política do Espírito Santo. O senhor poderia falar mais sobre o assunto?
– Essa questão se constitui no ponto central de uma engenharia de poder resultante de uma nefasta simbiose entre agentes públicos e privados. Trata-se de uma relação parasitária de grandes empresários locais aliados aos principais agentes estatais, advinda de uma política de conciliação de interesses do movimento empresarial (com vista à dominação econômica) e representantes do Estado (objetivando a dominação política), e concebida como espécie de blindagem bidirecional destinada a proteger agentes públicos e privados movidos exclusivamente pela mercancia de interesses políticos e econômicos.
Resgato relevante trecho do Ofício que trata especificamente deste ponto:
“No que tange às estreitas relações políticas do grupo ODEBRECHT com agentes públicos do Estado do Espírito Santo, além dos mencionados fatos envolvendo a construção e a concessão da Terceira Ponte, registre-se que o atual diretor presidente da COMPANHIA ESPIRITO SANTENSE DE SANEAMENTO – CESAN, Pablo Ferraço Andreão, foi funcionário de carreira do grupo ODEBRECHT (vinculado à ODEBRECHT AMBIENTAL) por 14 anos, tendo se afastado formalmente dos quadros da empreiteira para, após ser nomeado pelo atual Governador do Estado em 2015, ocupar o efêmero cargo em comissão de diretor presidente da empresa estatal de saneamento com a qual o grupo ODEBRECHT possui notórios interesses econômicos, nos quais se incluem, por exemplo, vultosos contratos de obras e serviços de engenharia, além da concessão de saneamento do município de Cachoeiro de Itapemirim, delegada à CITÁGUA ÁGUAS DE CACHOEIRO S.A., empresa outrora controlada pela ODEBRECHT AMBIENTAL S.A. e mencionada em documentos da Operação Lava Jato.
De acordo com a delação premiada prestada pelo executivo da ODEBRECHT Sérgio Luiz Neves, as doações feitas a políticos capixabas, realizadas pelo Setor de Operações Estruturadas da companhia, teriam sido supostamente efetuadas em contrapartida a promessas de que a empreiteira seria contemplada com grandes projetos de infraestrutura, como a Quarta Ponte e o BRT.
Registre-se que as licitações de ambos os projetos de infraestrutura foram objeto de Representações por parte do MPC-ES, bem como de alerta específico acerca da pré-qualificação de empresas citadas na Operação Lava Jato.
Como se observa, a parceria CESAN/ODEBRECHT encontra-se materializada em diversos contratos (Contratos 013/2008-1, 113/2008-1, 255/2008-1, 230/2014-1, 064/2015-1 e 145/2015-1).
Em relação ao Contrato 113/2008-1 (Programa Águas Limpas, atual Águas e Paisagens, com vistas à realização de redes coletoras de esgoto em Vitória, Vila Velha e Guarapari), financiado com recursos internacionais e cujo valor final alcançou 296 milhões de reais, parte de sua execução foi repassada pela CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT S.A., vencedora da licitação internacional realizada pela CESAN, para os grupos A. MADEIRA e URBESA ARARIBOIA, integrantes do cartel que fraudou a concessão rodoviária do Sistema Rodovia do Sol (mais uma vez, sem se submeterem à licitação), conforme se infere do contrato de constituição da sociedade de propósitos específicos SOCIEDADE CAPIXABA DE SANEAMENTO SPE LTDA., formada pelas empresas PELICANO CONSTRUÇÕES LTDA., ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA. e A. MADEIRA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
Essa subcontratação teve seu período de duração prorrogado por sete vezes consecutivas, nas datas de 31/12/2012, 30/06/2013, 31/12/2013, 31/12/2014, 31/12/2015, 31/12/2016 e 30/04/2018, e encontra-se ainda vigente, totalizando um período de quase dez anos de execução das obras decorrentes da “Concorrência Internacional (ICB) – Projeto Águas Limpas/CESAN nº 004/2007”.
Além da SOCIEDADE CAPIXABA DE SANEAMENTO SPE LTDA., os grupos locais também se organizaram sob a forma de consórcios (CONSÓRCIO CONSTRUTOR CESAN e CONSÓRCIO ATA) para executar por meio de subcontratações, isto é, novamente sem se submeterem a licitação, outras obras de saneamento decorrentes de contratos celebrados entre a CESAN e as empreiteiras CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT S.A. e CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A., consoante se depreende dos atos arquivados na Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (JUCEES).
O CONSÓRCIO ATA foi formado em 04/01/2000 pelas empresas ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA., TERVAP MINERAÇÃO E PAVIMENTAÇÃO LTDA. e CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO VITÓRIA LTDA., tendo por objeto a execução de obras e serviços da CESAN e da concessão do Sistema Rodovia do Sol.
Ressalta-se que ambos os objetos do Contrato de Constituição do CONSÓRCIO ATA – a) (...)execução das Obras de Artes Correntes e Obras Complementares (...) firmado com a CONCESSIONÁRIA RODOVIA DO SOL S/A – RODOSOL’ e ‘b) (...) execução dos serviços de ampliação do sistema de abastecimento de água da Grande Vitória (...) firmado com a COMPANHIA ESPÍRITO SANTENSE DE SANEAMENTO – CESAN’ –, se encontram, sem o mínimo pejo, imbricados em um mesmo instrumento contratual.
Por seu turno, o CONSÓRCIO CONSTRUTOR CESAN, constituído em 15/06/2000 pelas empresas SERVIX ENGENHARIA S.A., ENGE URB LTDA., CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO VITÓRIA LTDA. e ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA., teve por objeto a execução de obras remanescentes do Contrato nº 079/91, celebrado entre a CESAN e a CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A., vencedora da Concorrência Pública 006/9179.
Além do mais, diante das gravíssimas irregularidades aferidas pelos técnicos do TCE-ES nas obras da concessão do Sistema Rodovia do Sol, realizadas por esses mesmos grupos locais, pairam fundadas dúvidas acerca da qualidade das obras e serviços de saneamento contratadas pela CESAN e executados pelas empresas subcontratadas, notadamente em relação a obras não aparentes, construídas no subsolo, tendo em vista o precedente de irregularidades constatado pelos auditores do TCEES nas camadas das pistas de rolamento da Rodovia do Sol, obra executada também sob regime de subcontratação pelas mesmas empresas, bem como em razão das evidências de comercialização de contratos envolvendo parcerias com a Administração Pública estadual.
Acrescente-se, por oportuno, que o atual secretário estadual de transportes e obras públicas, PAULO RUY VALIM CARNELLI, também manteve vínculos alternados entre o grupo ODEBRECHT (por meio da FOZ DO BRASIL S.A.) e o Governo do Estado, tendo sido nomeado para a Presidência da CESAN em 2013.
Diante das gravíssimas irregularidades praticadas pelos grupos COIMEX, TERVAP PITANGA, A. MADEIRA e URBESA ARARIBOIA na concessão da rodovia estadual ES-060, consistentes na transferência irregular da concessão, na construção de obras com qualidade inferior à contratada e na não prestação de serviços obrigatórios previstos no contrato, justifica-se nossa preocupação quanto à possibilidade de que as mesmas irregularidades possam ocorrer na concessão da rodovia federal BR-101/ESBA, mormente após as constatações do corpo técnico do TCU acerca de graves irregularidades ocorridas nos primeiros 3 anos de concessão, materializadas nos Acórdãos 297/2017 (Processo TC 010.482) e 2889/201485 (Processo TC 005.210/2014), de que obras e serviços obrigatórios não estão sendo executados e de que a ANTT não fiscaliza de forma adequada a referida concessão federal, fazendo uso apenas dos relatórios produzidos pela própria concessionária, inclusive quanto aos parâmetros e ensaios técnicos de engenharia (índice de regularidade longitudinal, subsistema pavimento etc.), o que pode comprometer a qualidade das obras e a segurança dos usuários, a exemplo do que ocorreu na concessão da rodovia estadual ES-060, pois o atraso sistemático obriga os usuários a continuarem trafegando por rodovias com nível de serviço abaixo do previsto no Programa de Exploração Rodoviária (PER) e o pagamento de valor maior ou, até mesmo, indevido por obras e serviços não realizados ou atrasados, apesar de os financiamentos necessários para os investimentos previstos no PER já terem sido obtidos junto ao BNDES, ou seja, o financiamento das obras não se constitui em fator limitante à execução dos investimentos previstos”.
– Sobre o relatório destacado no Ofício MPC nº 204/2017, de 20 de junho de 2017 e encaminhado ao Procurador da República Fernando Rocha de Andrade, Chefe do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF/RN, o que o senhor pode destacar mais?
– Trata-se de uma política de atuação do Ministério Público de Contas no sentido de, dentre suas possibilidades, promover a tutela do patrimônio público e da probidade administrativa.
As ligações, que são retratadas num minucioso relatório do MPC/ES, foram encaminhadas à Procuradoria da República no Estado por meio do Ofício MPC n.º 67/2017, de 20 de abril deste ano. O ofício contém um dossiê em que o procurador Heron Carlos de Oliveira aponta “irregularidades praticadas na concessão da BR-101, Rodovia do Sol e Terceira Ponte” a poderosos grupos econômicos e políticos capixabas.
Em outubro de 2016, o Ministério Público de Contas protocolou Representação, na qual aponta formação de um cartel responsável por fraudar o processo licitatório da concessão do Sistema Rodovia do Sol e articular a transferência irregular do direito de administrar e explorar a concessão.
Na mesma ação, o MPC/ES detalha que o consórcio construiu obras com qualidade inferior à contratada pelo Estado do Espírito Santo. Obras que foram financiadas com recursos públicos.
O trabalho do MPC/ES, produzido a partir dos trabalhos realizados pelos auditores de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), bem como pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Rodosol de 2004, permitiu identificar um projeto de poder envolvendo a participação articulada de agentes públicos e privados – qualificado pelo Relatório da CPI como “conluios abjetos e ação entre amigos para, sob os auspícios da atuação ilegítima do Estado, obterem ganhos exorbitantes e enriquecimento ilícito com a aparência de legalidade”.
Consta no Relatório Final da CPI da Rodosol de 2004, “entre outras relevantes informações”, que os líderes empresariais capixabas, nomeados pelo então governador Vitor Buaiz (PT) como membros do Conselho de Reforma do Estado, tiveram acesso a informações privilegiadas que lhes permitiram “adquirir” do grupo Odebrecht o direito de explorar o pedágio da Terceira Ponte por meio da Operação de Rodovias Ltda (ORL).
De acordo com o relatório, a ORL, “menos de três meses da sua aquisição pelos referidos grupos econômicos locais, seria beneficiada com uma indenização de R$ 11,5 milhões decorrente da encampação irregular da concessão da Terceira Ponte mediante decreto expedido pelo governador Vitor Buaiz sem a necessária autorização da Assembleia Legislativa”.
No último domingo (25/06), o Blog do Elimar Côrtes informou, com exclusividade, a iniciativa do Ministério Público de Contas capixaba de encaminhar à Procuradoria da República no Rio Grande do Norte Ofício MPC nº 204/2017, de 20 de junho de 2017, que contém informações acerca de irregularidades praticadas em concessões rodoviárias federal (BR-101, no Espírito Santo e na Bahia) e estadual (Rodovia do Sol), pelo grupo econômico capixaba Tervap Pitanga, cuja holding Caraíva Participações Ltda., de propriedade do empresário Fernando Aboudib Camargo, é sócia do ex-deputado federal Henrique Eduardo Lyra Alves na TV Cabugi, afiliada da Rede Globo em Natal.
No dia 22 de junho deste ano, a BR-101 Sul, em Guarapari, foi palco de um grave acidente, que resultou na morte de 23 pessoas. A tragédia anunciada envolveu uma carreta que transportava rocha, um ônibus da Viação Águia Branca, uma mini-van da Prefeitura de Jerônimo Monteiro e uma ambulância da Prefeitura de Alfredo.
Procurador de Contas Heron Carlos Gomes de Oliveira– Nosso ponto de partida encontra-se no trabalho de auditoria, realizada pelo corpo técnico do Tribunal de Contas, no contrato de concessão do Sistema Rodovia do Sol, que é o processo TC 5591/2013 e se encontra em vias de início de julgamento.
A partir dos inúmeros elementos constantes desse trabalho, houve a necessidade de sua expansão, pois, infelizmente, devido às limitações de tempo e de recursos humanos, bem como à metodologia utilizada, o TCE-ES não incluiu no escopo da auditoria realizada no Processo TC 5591/2013 muitos pontos pendentes de apuração, dentre os quais, por exemplo, se encontram os indícios de irregularidade na concessão da Terceira Ponte, na transferência do seu controle para a empresa Operação de Rodovias Ltda. (ORL) e no decreto do Governador do Estado que encampou a concessão da Terceira Ponte, gerando uma indenização de R$ 11.500.000,00 em favor da ORL.
– Embora o senhor não cite o termo, pode-se afirmar que as ações promovidas por esses grupos políticos e econômicos, a fim de perpetuar um grande esquema de enriquecimento, é fruto de organizações criminosas?
– Possuímos no Brasil, a par de um conceito comum, uma definição legal da expressão ‘organização criminosa’ ditada pela Lei 12.850/2013. Como o Ministério Público de Contas não possui competência criminal, não me sinto à vontade em tecer considerações acerca de eventuais aspectos criminais que possam envolver as situações em análise.
No entanto, quando identificamos a ocorrência de fatos penalmente relevantes que, em tese, possam configurar cometimento de crimes, compartilhamos tais informações com todas as instituições e órgãos com atribuições afetas à persecução criminal.
Esse raciocínio também se aplica a situações em que se vislumbram notas de improbidade administrativa ou outros ilícitos civis. Uma vez, em tese, constatadas, promove-se o intercâmbio de informações no sentido de auxiliar o desempenho das competências constitucionalmente atribuídas de outros órgãos e instituições, com fundamento em diversos termos de cooperação, bem como no dever legal imposto ao servidor público de assim proceder.
– O senhor poderia discriminar qual o papel de cada seguimento (Político, Executivo Estadual, Assembleia Legislativa, classe empresarial, Judiciário, Tribunal de Contas) nessa estrutura de poder? Caso, é claro, haja participação de membros desses seguimentos na estrutura criminosa.
– Em igual sentido, não me sinto à vontade em tecer considerações acerca de eventuais atuações criminosas dos atores envolvidos, em face de não atuar na seara criminal.
– O senhor acredita que as pessoas e empresas citadas no relatório serão alvo de investigação por parte do Ministério Público Federal ou Estadual?
– Não tenho dúvidas de que, uma vez conhecendo-se tais situações, haverá uma pronta resposta dessas instituições, no sentido de envidar esforços com vistas à adoção das medidas pertinentes.
– Nota-se pelo relatório do MPC/ES a forte ligação da Odebrecht com a estrutura política do Espírito Santo. O senhor poderia falar mais sobre o assunto?
– Essa questão se constitui no ponto central de uma engenharia de poder resultante de uma nefasta simbiose entre agentes públicos e privados. Trata-se de uma relação parasitária de grandes empresários locais aliados aos principais agentes estatais, advinda de uma política de conciliação de interesses do movimento empresarial (com vista à dominação econômica) e representantes do Estado (objetivando a dominação política), e concebida como espécie de blindagem bidirecional destinada a proteger agentes públicos e privados movidos exclusivamente pela mercancia de interesses políticos e econômicos.
Resgato relevante trecho do Ofício que trata especificamente deste ponto:
“No que tange às estreitas relações políticas do grupo ODEBRECHT com agentes públicos do Estado do Espírito Santo, além dos mencionados fatos envolvendo a construção e a concessão da Terceira Ponte, registre-se que o atual diretor presidente da COMPANHIA ESPIRITO SANTENSE DE SANEAMENTO – CESAN, Pablo Ferraço Andreão, foi funcionário de carreira do grupo ODEBRECHT (vinculado à ODEBRECHT AMBIENTAL) por 14 anos, tendo se afastado formalmente dos quadros da empreiteira para, após ser nomeado pelo atual Governador do Estado em 2015, ocupar o efêmero cargo em comissão de diretor presidente da empresa estatal de saneamento com a qual o grupo ODEBRECHT possui notórios interesses econômicos, nos quais se incluem, por exemplo, vultosos contratos de obras e serviços de engenharia, além da concessão de saneamento do município de Cachoeiro de Itapemirim, delegada à CITÁGUA ÁGUAS DE CACHOEIRO S.A., empresa outrora controlada pela ODEBRECHT AMBIENTAL S.A. e mencionada em documentos da Operação Lava Jato.
De acordo com a delação premiada prestada pelo executivo da ODEBRECHT Sérgio Luiz Neves, as doações feitas a políticos capixabas, realizadas pelo Setor de Operações Estruturadas da companhia, teriam sido supostamente efetuadas em contrapartida a promessas de que a empreiteira seria contemplada com grandes projetos de infraestrutura, como a Quarta Ponte e o BRT.
Registre-se que as licitações de ambos os projetos de infraestrutura foram objeto de Representações por parte do MPC-ES, bem como de alerta específico acerca da pré-qualificação de empresas citadas na Operação Lava Jato.
Como se observa, a parceria CESAN/ODEBRECHT encontra-se materializada em diversos contratos (Contratos 013/2008-1, 113/2008-1, 255/2008-1, 230/2014-1, 064/2015-1 e 145/2015-1).
Em relação ao Contrato 113/2008-1 (Programa Águas Limpas, atual Águas e Paisagens, com vistas à realização de redes coletoras de esgoto em Vitória, Vila Velha e Guarapari), financiado com recursos internacionais e cujo valor final alcançou 296 milhões de reais, parte de sua execução foi repassada pela CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT S.A., vencedora da licitação internacional realizada pela CESAN, para os grupos A. MADEIRA e URBESA ARARIBOIA, integrantes do cartel que fraudou a concessão rodoviária do Sistema Rodovia do Sol (mais uma vez, sem se submeterem à licitação), conforme se infere do contrato de constituição da sociedade de propósitos específicos SOCIEDADE CAPIXABA DE SANEAMENTO SPE LTDA., formada pelas empresas PELICANO CONSTRUÇÕES LTDA., ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA. e A. MADEIRA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
Essa subcontratação teve seu período de duração prorrogado por sete vezes consecutivas, nas datas de 31/12/2012, 30/06/2013, 31/12/2013, 31/12/2014, 31/12/2015, 31/12/2016 e 30/04/2018, e encontra-se ainda vigente, totalizando um período de quase dez anos de execução das obras decorrentes da “Concorrência Internacional (ICB) – Projeto Águas Limpas/CESAN nº 004/2007”.
Além da SOCIEDADE CAPIXABA DE SANEAMENTO SPE LTDA., os grupos locais também se organizaram sob a forma de consórcios (CONSÓRCIO CONSTRUTOR CESAN e CONSÓRCIO ATA) para executar por meio de subcontratações, isto é, novamente sem se submeterem a licitação, outras obras de saneamento decorrentes de contratos celebrados entre a CESAN e as empreiteiras CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT S.A. e CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A., consoante se depreende dos atos arquivados na Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (JUCEES).
O CONSÓRCIO ATA foi formado em 04/01/2000 pelas empresas ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA., TERVAP MINERAÇÃO E PAVIMENTAÇÃO LTDA. e CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO VITÓRIA LTDA., tendo por objeto a execução de obras e serviços da CESAN e da concessão do Sistema Rodovia do Sol.
Ressalta-se que ambos os objetos do Contrato de Constituição do CONSÓRCIO ATA – a) (...)execução das Obras de Artes Correntes e Obras Complementares (...) firmado com a CONCESSIONÁRIA RODOVIA DO SOL S/A – RODOSOL’ e ‘b) (...) execução dos serviços de ampliação do sistema de abastecimento de água da Grande Vitória (...) firmado com a COMPANHIA ESPÍRITO SANTENSE DE SANEAMENTO – CESAN’ –, se encontram, sem o mínimo pejo, imbricados em um mesmo instrumento contratual.
Por seu turno, o CONSÓRCIO CONSTRUTOR CESAN, constituído em 15/06/2000 pelas empresas SERVIX ENGENHARIA S.A., ENGE URB LTDA., CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO VITÓRIA LTDA. e ENGENHARIA E CONSTRUTORA ARARIBOIA LTDA., teve por objeto a execução de obras remanescentes do Contrato nº 079/91, celebrado entre a CESAN e a CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A., vencedora da Concorrência Pública 006/9179.
Além do mais, diante das gravíssimas irregularidades aferidas pelos técnicos do TCE-ES nas obras da concessão do Sistema Rodovia do Sol, realizadas por esses mesmos grupos locais, pairam fundadas dúvidas acerca da qualidade das obras e serviços de saneamento contratadas pela CESAN e executados pelas empresas subcontratadas, notadamente em relação a obras não aparentes, construídas no subsolo, tendo em vista o precedente de irregularidades constatado pelos auditores do TCEES nas camadas das pistas de rolamento da Rodovia do Sol, obra executada também sob regime de subcontratação pelas mesmas empresas, bem como em razão das evidências de comercialização de contratos envolvendo parcerias com a Administração Pública estadual.
Acrescente-se, por oportuno, que o atual secretário estadual de transportes e obras públicas, PAULO RUY VALIM CARNELLI, também manteve vínculos alternados entre o grupo ODEBRECHT (por meio da FOZ DO BRASIL S.A.) e o Governo do Estado, tendo sido nomeado para a Presidência da CESAN em 2013.
Diante das gravíssimas irregularidades praticadas pelos grupos COIMEX, TERVAP PITANGA, A. MADEIRA e URBESA ARARIBOIA na concessão da rodovia estadual ES-060, consistentes na transferência irregular da concessão, na construção de obras com qualidade inferior à contratada e na não prestação de serviços obrigatórios previstos no contrato, justifica-se nossa preocupação quanto à possibilidade de que as mesmas irregularidades possam ocorrer na concessão da rodovia federal BR-101/ESBA, mormente após as constatações do corpo técnico do TCU acerca de graves irregularidades ocorridas nos primeiros 3 anos de concessão, materializadas nos Acórdãos 297/2017 (Processo TC 010.482) e 2889/201485 (Processo TC 005.210/2014), de que obras e serviços obrigatórios não estão sendo executados e de que a ANTT não fiscaliza de forma adequada a referida concessão federal, fazendo uso apenas dos relatórios produzidos pela própria concessionária, inclusive quanto aos parâmetros e ensaios técnicos de engenharia (índice de regularidade longitudinal, subsistema pavimento etc.), o que pode comprometer a qualidade das obras e a segurança dos usuários, a exemplo do que ocorreu na concessão da rodovia estadual ES-060, pois o atraso sistemático obriga os usuários a continuarem trafegando por rodovias com nível de serviço abaixo do previsto no Programa de Exploração Rodoviária (PER) e o pagamento de valor maior ou, até mesmo, indevido por obras e serviços não realizados ou atrasados, apesar de os financiamentos necessários para os investimentos previstos no PER já terem sido obtidos junto ao BNDES, ou seja, o financiamento das obras não se constitui em fator limitante à execução dos investimentos previstos”.
– Sobre o relatório destacado no Ofício MPC nº 204/2017, de 20 de junho de 2017 e encaminhado ao Procurador da República Fernando Rocha de Andrade, Chefe do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF/RN, o que o senhor pode destacar mais?
– Trata-se de uma política de atuação do Ministério Público de Contas no sentido de, dentre suas possibilidades, promover a tutela do patrimônio público e da probidade administrativa.