Doutor em Economia pela PUC-Rio, mestre em Economia pela EPGE/FGV e bacharel em Economia pela Universidade Santa Úrsula, Daniel Ricardo de Castro Cerqueira tem percorrido o Brasil para fazer palestras e discutir, sobretudo, o tema segurança pública. Por sinal, ele é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-diretor de Políticas, Instituições e Democracia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Nesta entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes, Daniel Cerqueira defende mudanças gerenciais e incrementais na segurança pública, por entender que, “com comprometimento e boas práticas pode se conseguir ótimos resultados, independente da estrutura retrógrada e anti-produtiva que a Constituição de 1988 nos legou no artigo 144.” Também é a favor de que a Polícia Militar possa confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, por ser “mais racional” e porque “deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático.”
Daniel Cerqueira, que hoje atua como pesquisador do Ipea, fala também do momento “angustiante” porque passa a segurança pública do Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos. Ele ainda defende que a Polícia Militar possa confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, por ser “mais racional” e porque “deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático.”
Outro tema abordado por Daniel Cerqueira nessa entrevista é o Espírito Santo, que ele entende estar no caminho certo com sua política de redução dos índices de homicídios. Todavia, ressalta que os frutos colhidos hoje pelo governo Paulo Hartung (PMDB) são o reflexo da política adotada por seu antecessor, Renato Casagrande (PSB), com a criação do Programa Estado Presente, desenvolvido no Espírito Santo, que, para Daniel Cerqueira, “foi uma das experiências mais qualificadas no campo da segurança pública no Brasil.” E ele sustenta:
“Pesquisando, viajando e dialogando segurança pública por quase 20 anos, posso afirmar que nunca vi um governador tão comprometido com a vida do seu povo como o Renato Casagrande”.
Blog do Elimar Côrtes – Como o senhor vê o momento angustiante porque passa a segurança pública no Estado do Rio, justamente o palco dos Jogos Olímpicos que começam dentro de um mês?
Daniel Ricardo de Castro Cerqueira – É realmente triste e angustiante. Não tenho dúvidas, no que diz respeito aos Jogos Olímpicos, que em relação à violência urbana, não haverá problemas, mesmo porque as forças policiais estaduais e federais estarão de prontidão e porque os criminosos são racionais e sabem que devem manter reserva, assim como aconteceu em outras ocasiões dessa natureza, como na Rio 1992, No Pan-Americano de 2007 e na Copa do Mundo de 2014.
O problema é quando setembro chegar. O Estado do Rio não terá recursos sequer para pagar seus servidores e aposentados. A taxa de desemprego em alta e as tensões sociais em máxima temperatura, no rastro da crise nacional e da falência do Rio, botarão o caldeirão para ferver. Colheremos as escolhas que fizemos no passo ao eleger governos estaduais irresponsáveis e descomprometidos com a vida dos cariocas.
– A seu ver, a experiência das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) está dando certo?
– A UPP é um santo com pé de barro. A ocorrência de eventos criminais em duas pequenas comunidades no Rio de janeiro precipitou a reação das autoridades que, diferente da irracionalidade do passado, ocuparam o território e por lá se mantiveram. Com o apoio maciço da mídia e da sociedade, dois anos depois finalmente nasceu formalmente a ideia do que viria a ser a UPP, uma polícia de proximidade.
Essa experiência teria sustentabilidade se, conjuntamente, duas providências tivessem sido tomadas. Primeiro, uma reforma radical da polícia carioca, em que a ideologia belicista fosse abandonada em função de um modelo de polícia garantidora dos direitos de cidadania, ao mesmo tempo em que se deveriam expurgar os policiais viciados em velhas práticas truculentas, de desrespeito e de achaques.
Em segundo lugar, a sustentabilidade do projeto dependeria de um forte trabalho social, que focasse as crianças e jovens, de modo a promover trajetórias de vida apartadas do crime, desde a primeira infância, em que as condições para o pleno desenvolvimento socioemocional e cognitivo seriam conjugadas, a boas oportunidades educacionais e laborais. Nada disso foi feito, o Estado preferiu ficar com os louros de curto prazo, com uma política improvisada. Nesse quadro, acredito que o fim das UPPs é uma questão de tempo apenas.
– O senhor tem dito que o Programa Estado Presente, desenvolvido no Espírito Santo na gestão do governador Renato Casagrande, foi uma das experiências mais qualificadas no campo da segurança pública no Brasil. Por que?
– Sem dúvida. Tenho dito e repetido com grande prazer. Pesquisando, viajando e dialogando segurança pública por quase 20 anos, posso afirmar que nunca vi um governador tão comprometido com a vida do seu povo como o Renato Casagrande. Além do comprometimento do governador, o que foi feito aí no Espírito Santo segue exatamente a cartilha das boas práticas internacionais.
– O Estado Presente deixou de existir, pelo menos no nome, embora a segurança pública continue sendo comandada pelas mesmas pessoas que criaram e conduziram o programa nos quatro anos do governo passado – ou seja, o novo governador Paulo Hartung não mexeu na equipe. Atualmente, o novo governo capixaba criou o que ele chama de ‘Ocupação Social’, que, na verdade, é o seguimento de apenas uma das células do que foi o Estado Presente num todo. Mesmo assim, o Espírito Santo continua reduzindo os índices de homicídios. A que se pode atribuir essa redução? Seria reflexo do que foi praticado pelo Estado Presente?
– De fato, não tenho acompanhado mais de perto a experiência capixaba nesta gestão. Espero que tenha havido continuidade das boas ações. Mas, posso dizer que o governador (Paulo) Hartung, assim como os secretários de Segurança Pública (André Garcia) e de Ações Estratégicas (Gabriela Macedo Lacerda), são pessoas totalmente capacitadas, o que não me deixa surpreendido com o fato de que o Espírito Santo continua na estrada por dias mais pacíficos.
– Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de leis e até Propostas de Emenda Constitucional que mudam a estrutura da segurança pública no Brasil. Que mudanças o senhor considera fundamentais para dar ao País maior clareza nesse setor?
– Acho que mais importantes são as mudanças gerenciais e incrementais. Com comprometimento e boas práticas pode se conseguir ótimos resultados, independente da estrutura retrógrada e anti-produtiva que a Constituição de 1988 nos legou no artigo 144.
Dito isso, acho que são pontos cruciais nas reformas constitucionais: 1) Ciclo Único de Polícia; 2) Flexibilização da organização do modelo de segurança pública, de modo a permitir que as unidades federativas possam debater e escolher o melhor arranjo, que pode ter Polícias Metropolitanas, Municipais, Polícia Única, etc. 3) Desmilitarização ontológica das polícias Militar e Civil. A lógica militar serve para a guerra. A polícia serve para proteger direitos e a vidas das pessoas. São dois mundos diferentes. Dentro disso, devemos acabar com o entulho autoritário das polícias serem forças auxiliares do Exército; e 4) Uma regulamentação adequada sobre o controle externo das Polícias, que, segundo a Constituição Federal, deveria ficar a cargo do Ministério Público.
Como as polícias no Brasil, em geral, são verdadeiras caixas-pretas; e como os MPs não possuem informação sobre o controlado e não são responsabilizados se há ou não controle, a sociedade não consegue detectar e corrigir falhas e desvios institucionais, fazendo com que as organizações policiais não adentrem no Estado Democrático de Direito.
– O senhor defende que a Polícia Militar possa confeccionar o chamado Termo Circunstanciado de Ocorrência?
– Sim, é mais racional. Deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático. A briga fica por conta das guerras corporativistas de poder.
Nesta entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes, Daniel Cerqueira defende mudanças gerenciais e incrementais na segurança pública, por entender que, “com comprometimento e boas práticas pode se conseguir ótimos resultados, independente da estrutura retrógrada e anti-produtiva que a Constituição de 1988 nos legou no artigo 144.” Também é a favor de que a Polícia Militar possa confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, por ser “mais racional” e porque “deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático.”
Daniel Cerqueira, que hoje atua como pesquisador do Ipea, fala também do momento “angustiante” porque passa a segurança pública do Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos. Ele ainda defende que a Polícia Militar possa confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, por ser “mais racional” e porque “deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático.”
Outro tema abordado por Daniel Cerqueira nessa entrevista é o Espírito Santo, que ele entende estar no caminho certo com sua política de redução dos índices de homicídios. Todavia, ressalta que os frutos colhidos hoje pelo governo Paulo Hartung (PMDB) são o reflexo da política adotada por seu antecessor, Renato Casagrande (PSB), com a criação do Programa Estado Presente, desenvolvido no Espírito Santo, que, para Daniel Cerqueira, “foi uma das experiências mais qualificadas no campo da segurança pública no Brasil.” E ele sustenta:
“Pesquisando, viajando e dialogando segurança pública por quase 20 anos, posso afirmar que nunca vi um governador tão comprometido com a vida do seu povo como o Renato Casagrande”.
Blog do Elimar Côrtes – Como o senhor vê o momento angustiante porque passa a segurança pública no Estado do Rio, justamente o palco dos Jogos Olímpicos que começam dentro de um mês?
Daniel Ricardo de Castro Cerqueira – É realmente triste e angustiante. Não tenho dúvidas, no que diz respeito aos Jogos Olímpicos, que em relação à violência urbana, não haverá problemas, mesmo porque as forças policiais estaduais e federais estarão de prontidão e porque os criminosos são racionais e sabem que devem manter reserva, assim como aconteceu em outras ocasiões dessa natureza, como na Rio 1992, No Pan-Americano de 2007 e na Copa do Mundo de 2014.
O problema é quando setembro chegar. O Estado do Rio não terá recursos sequer para pagar seus servidores e aposentados. A taxa de desemprego em alta e as tensões sociais em máxima temperatura, no rastro da crise nacional e da falência do Rio, botarão o caldeirão para ferver. Colheremos as escolhas que fizemos no passo ao eleger governos estaduais irresponsáveis e descomprometidos com a vida dos cariocas.
– A seu ver, a experiência das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) está dando certo?
– A UPP é um santo com pé de barro. A ocorrência de eventos criminais em duas pequenas comunidades no Rio de janeiro precipitou a reação das autoridades que, diferente da irracionalidade do passado, ocuparam o território e por lá se mantiveram. Com o apoio maciço da mídia e da sociedade, dois anos depois finalmente nasceu formalmente a ideia do que viria a ser a UPP, uma polícia de proximidade.
Essa experiência teria sustentabilidade se, conjuntamente, duas providências tivessem sido tomadas. Primeiro, uma reforma radical da polícia carioca, em que a ideologia belicista fosse abandonada em função de um modelo de polícia garantidora dos direitos de cidadania, ao mesmo tempo em que se deveriam expurgar os policiais viciados em velhas práticas truculentas, de desrespeito e de achaques.
Em segundo lugar, a sustentabilidade do projeto dependeria de um forte trabalho social, que focasse as crianças e jovens, de modo a promover trajetórias de vida apartadas do crime, desde a primeira infância, em que as condições para o pleno desenvolvimento socioemocional e cognitivo seriam conjugadas, a boas oportunidades educacionais e laborais. Nada disso foi feito, o Estado preferiu ficar com os louros de curto prazo, com uma política improvisada. Nesse quadro, acredito que o fim das UPPs é uma questão de tempo apenas.
– O senhor tem dito que o Programa Estado Presente, desenvolvido no Espírito Santo na gestão do governador Renato Casagrande, foi uma das experiências mais qualificadas no campo da segurança pública no Brasil. Por que?
– Sem dúvida. Tenho dito e repetido com grande prazer. Pesquisando, viajando e dialogando segurança pública por quase 20 anos, posso afirmar que nunca vi um governador tão comprometido com a vida do seu povo como o Renato Casagrande. Além do comprometimento do governador, o que foi feito aí no Espírito Santo segue exatamente a cartilha das boas práticas internacionais.
– O Estado Presente deixou de existir, pelo menos no nome, embora a segurança pública continue sendo comandada pelas mesmas pessoas que criaram e conduziram o programa nos quatro anos do governo passado – ou seja, o novo governador Paulo Hartung não mexeu na equipe. Atualmente, o novo governo capixaba criou o que ele chama de ‘Ocupação Social’, que, na verdade, é o seguimento de apenas uma das células do que foi o Estado Presente num todo. Mesmo assim, o Espírito Santo continua reduzindo os índices de homicídios. A que se pode atribuir essa redução? Seria reflexo do que foi praticado pelo Estado Presente?
– De fato, não tenho acompanhado mais de perto a experiência capixaba nesta gestão. Espero que tenha havido continuidade das boas ações. Mas, posso dizer que o governador (Paulo) Hartung, assim como os secretários de Segurança Pública (André Garcia) e de Ações Estratégicas (Gabriela Macedo Lacerda), são pessoas totalmente capacitadas, o que não me deixa surpreendido com o fato de que o Espírito Santo continua na estrada por dias mais pacíficos.
– Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de leis e até Propostas de Emenda Constitucional que mudam a estrutura da segurança pública no Brasil. Que mudanças o senhor considera fundamentais para dar ao País maior clareza nesse setor?
– Acho que mais importantes são as mudanças gerenciais e incrementais. Com comprometimento e boas práticas pode se conseguir ótimos resultados, independente da estrutura retrógrada e anti-produtiva que a Constituição de 1988 nos legou no artigo 144.
Dito isso, acho que são pontos cruciais nas reformas constitucionais: 1) Ciclo Único de Polícia; 2) Flexibilização da organização do modelo de segurança pública, de modo a permitir que as unidades federativas possam debater e escolher o melhor arranjo, que pode ter Polícias Metropolitanas, Municipais, Polícia Única, etc. 3) Desmilitarização ontológica das polícias Militar e Civil. A lógica militar serve para a guerra. A polícia serve para proteger direitos e a vidas das pessoas. São dois mundos diferentes. Dentro disso, devemos acabar com o entulho autoritário das polícias serem forças auxiliares do Exército; e 4) Uma regulamentação adequada sobre o controle externo das Polícias, que, segundo a Constituição Federal, deveria ficar a cargo do Ministério Público.
Como as polícias no Brasil, em geral, são verdadeiras caixas-pretas; e como os MPs não possuem informação sobre o controlado e não são responsabilizados se há ou não controle, a sociedade não consegue detectar e corrigir falhas e desvios institucionais, fazendo com que as organizações policiais não adentrem no Estado Democrático de Direito.
– O senhor defende que a Polícia Militar possa confeccionar o chamado Termo Circunstanciado de Ocorrência?
– Sim, é mais racional. Deixaria de desperdiçar milhares de horas de policiais e viaturas para cumprir um mero rito burocrático. A briga fica por conta das guerras corporativistas de poder.