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Artigo do coronel Leonardo Marchezi dos Reis: Relações entre Violência, Mercado de Trabalho e Família Monoparental

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O coronel da Reserva da Polícia Militar do Espírito Santo Leonardo Marchezi dos Reis, que é especialista em Segurança Pública e Mestre em Administração, trata em artigo, numa perspectiva econométrica, da extensão do aumento percentual de mulheres no mercado de trabalho e da elevação das taxas de homicídio nas Capitais dos Estados Brasileiros.

Segundo ele, há evidências de que, indiretamente, a entrada da mulher no mercado de trabalho provocou um desequilíbrio na sociedade, variando as relações e modelos de famílias, o que afetou as taxas de homicídio. Os parâmetros estimados sugerem que as mulheres que tiveram filhos vivendo com cônjuge impactaram na diminuição das taxas de homicídio e as mulheres que tiveram filhos sem estar vivendo com cônjuge, provocaram efeitos contrários sobre as taxas de homicídio.

Artigo

Identificar os fatores explicativos dos índices de homicídio nas capitais dos estados brasileiros sempre foi um desafio. Dentre esses fatores, a entrada da mulher no mercado de trabalho, nos incita a verificar se há relação significativa entre os aumentos simultâneos das taxas de homicídio e o percentual de mulheres economicamente ativas, que eclodiram nas décadas de 80 e 90.

No Brasil, a participação da mulher no mercado de trabalho é descrita como fundamentada e baseada em dois quesitos: “a queda da taxa de fecundidade e o aumento no nível de instrução da população feminina” (PROBST, 2005, p. 6) e, consequentemente, liberando-a para o mercado de trabalho. Entretanto, apesar de a mulher estar alterando o seu perfil em relação ao início do século passado, ela agrega sua participação no mercado de trabalho às atividades exercidas anteriores ao seu ingresso, que era a base de sua responsabilidade, continuando a ser mãe, esposa e dona de casa. (PROBST, 2005;  BRUSCHINI, 1989). 

Na segunda metade do século XX, a participação feminina no mercado de trabalho se traduz em um marco socioeconômico. Essa transformação ocorreu muito rapidamente, sendo que o papel da mulher na sociedade está provocando aumento de suas atividades econômicas. (MELO, 2006) 

Hoffmann e Leone (2004) descrevem que no período de 1981 a 2002 houve diminuição gradativa do número de pessoas por família e aumento da participação econômica das mulheres na renda das famílias, passando de 35% para 46,9% os domicílios em que pelo menos uma mulher exercia atividade remunerada, enquanto o percentual de homens economicamente ativos nos domicílios reduziu de 82,2% para 72,3% no mesmo período. 

Glaeser e Sacerdote (1999) dão importância à estrutura familiar para justificar o nível de criminalidade urbana, chamando a atenção para a mulher chefe de família e à criação monoparental, não sabendo explicar, no entanto, se os grandes centros urbanos atraem essas famílias ou se eles criam esses modelos de família.

Diversos fatores familiares prenunciam violência no futuro das crianças, dentre esses fatores: “a supervisão parental deficiente, pais agressivos (incluindo disciplina severa e punitiva) e conflitos entre os pais. A ausência do pai era um fator quase tão decisivo quanto os anteriormente citados, embora a falta de afeto da mãe não fosse significativa”. (FARRINGTON, 2002, p. 34). 

A partir da década de 1980, eclodiram nos grandes centros urbanos os índices de violência e criminalidade, principalmente os dos crimes contra a vida. Dentre esses tipos de crimes, destaca-se o homicídio, que, foi inserido na pauta dos principais assuntos de Estado. (WAISELFISZ, 2011). 

Dados recentes comparam as taxas de homicídios juvenis de 1996 (em torno de 41,7 homicídios de jovens por 100 mil habitantes ao ano), aos dados de 2008 (no patamar de 52,9 jovens mortos na mesma proporção) (WAISELFISZ, 2011). Como está demonstrado em diversas estatísticas referendadas por Órgãos Públicos, o maior crescimento ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, indo até o ano de 2003, quando começa a declinar (CRUZ, 2010). Outro dado interessante dá como responsáveis por 52,9% do total de mortes no Brasil, as causas externas. Em 2008, pela mesma origem, 72,1% dos nossos jovens têm, nas ‘causas externas’, a sua vitimização (WAISELFISZ, 2011)

A falta de dados sobre violência e criminalidade no Brasil deixa uma lacuna causadora de desperdício dos recursos públicos, pois não conhecendo o fato gerador da violência e do crime, em particular a motivação dos homicídios, as ações desenvolvidas são imprecisas e muitas vezes paliativas, não controlam o crime, apenas o transfere para outras áreas ou para outros anos (SANTOS, 2009). 

Um fato que corrobora é o estudo de Kahn e Zanetic (2005) que buscou entender a redução do homicídio no Estado de São Paulo, fenômeno analisado por diferentes vertentes, comparando-o a de outros países que obtiveram sucesso após planos estratégicos com políticas públicas bem definidas. Como exemplos, os casos das cidades de Nova Iorque, Cali e Bogotá, detentores do controle de todo o processo desenvolvido, contrário ao que aconteceu no Estado de São Paulo. Por falta de estatísticas em âmbito nacional, o fenômeno da redução dos homicídios fica sem resposta conclusiva, se a redução dos homicídios é produto da atividade policial, de mudanças macrossocial ou de ambas (KAHN;  ZANETIC, 2005).

Compreender o homicídio possibilita ao Poder Público não desperdiçar o uso de recursos, direcionando-os às ações desenvolvidas por todos os protagonistas sociais que realmente possam impactá-lo. 

Analisando os dados sociais, econômico e de segurança pública das Capitais dos Estados Brasileiros no período de 2003 a 2007, testou-se principalmente os efeitos da entrada da mulher no mercado de trabalho e suas implicações na sociedade, como por exemplo, as transformações das famílias e sua correlação com as taxas de homicídio. 

Verificou-se relevantes para explicar as taxas de homicídio ‘mulheres que tiveram filhos vivendo com cônjuge’, as ‘mulheres que tiveram filhos sem viver com cônjuge’, as ‘mulheres divorciadas, separadas, viúvas e/ou solteiras que tiveram filhos sem cônjuge’, o IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal), o IFDM de educação, o ‘uso frequente’ de drogas, o tráfico de drogas, os gastos em segurança pública e as taxas de fecundidade de 20 e 21 anos passados ao período da pesquisa.

São identificados, na literatura os fatores motivadores da criminalidade, com fundamentações baseadas na teoria da economia do crime e na teoria da desorganização social. Encontra-se um número expressivo de variáveis independentes com relevância para: a renda, a educação, urbanização, população jovem, o mercado de trabalho, a mulher como chefe da família, a favelização e a densidade demográfica.

As variáveis “sociais” possibilitam verificar a existência de relação causa-efeito com a entrada da mulher no mercado de trabalho e o aumento das taxas de homicídio, principalmente da população jovem. São elas: Mulheres Divorciadas, Separadas, Viúvas e Solteiras que não viviam em companhia de cônjuge ou companheiro; Mulher no mercado de trabalho; Mulher Chefe de Família; Mulher que teve Filho vivendo com Cônjuge; e Mulher que teve Filho Sem viver com Cônjuge. (Fonte: IBGE. Dados censitários ano 2000).

A variável ‘mulher no mercado de trabalho’ não apresenta qualquer relação com o aumento da criminalidade. Esse dado é relevante, pois sabemos que é utopia pensar naquele modelo de família nuclear, com a mulher tendo a responsabilidade exclusiva de cuidar do lar e filhos. A sociedade não sobrevive mais sem a mulher economicamente ativa. Elas têm muito a contribuir, estando no mercado de trabalho. Os homens também não querem ter como cônjuge mulheres que não estejam inseridas no mercado de trabalho (HANNANN, 1982).

As transformações ocorridas no modelo de família nuclear, mais percebidas a partir das décadas de 80 e 90, podem estar correlacionadas com a entrada da mulher no mercado de trabalho. Pela teoria, há correlação do papel da mulher na família com as taxas de homicídios, sendo a criação monoparental com ausência do pai, um dos fatores citados para a maior possibilidade do jovem se envolver em ilicitudes.

No entanto, indiretamente, a entrada da mulher no mercado de trabalho gerou mudanças nas famílias e, consequentemente, na sociedade. As variáveis ‘mulher que teve filho vivendo com cônjuge, mulher que teve filho sem viver com cônjuge e mulher divorciada, separada, viúva e/ou solteira’, sugerem que a criação monoparental, com ausência do pai, pode ser indicativa de as crianças terem mais probabilidades de envolvimento com crimes na adolescência e juventude. Essas três variáveis apresentam resultados significativos, demonstrando que, ao se aumentar o percentual de mulher criando filho vivendo com cônjuge, ocorrerá uma redução de homicídio e, o contrário, implicará no aumento do homicídio. 

A outra variável ‘mulher chefe de família’ foi relevante apenas nos homicídios por arma de fogo, apresentando significância com correlação negativa, ou seja, o aumento percentual da mulher como chefe de família implica em redução dos homicídios por arma de fogo, contrariando, em tese, o esperado. A explicação pode ser atribuída ao fato da mulher chefe de família ter a companhia do cônjuge em percentual que influencie para que a criação não seja monoparental. Confirmando essa hipótese, o resultado passa a ser o esperado.

Em relação a dados econômicos, o IFDM de Educação sustenta que o acesso à educação básica é um dos fatores preventivos para o homicídio. Entretanto, o IFDM explicou mais significativamente o homicídio da população jovem, demonstrando que, para o jovem não se tornar vítima de homicídio, devemos melhorar a oferta de emprego e renda, de educação e de saúde. 

Leonardo Marchezi dos Reis
Especialista em Segurança Pública
Mestre em Administração
Coronel da Reserva da PMES


REFERÊNCIAS
BECKER, Gary S. Crime and Punishment: An Economic Approach. The Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, p. 169-217, 1968.
BRUSCHINI, Cristina. Tendências da força de trabalho feminina brasileira nos anos setenta e oitenta: algumas comparações regionais. São Paulo: Fundação Carlos Chagas/Departamento de Pesquisas Educacionais, 1989.
CRUZ, Deivison Souza. Quadro de hipóteses para o declínio dos homicídios em São Paulo. Governo do Estado do Espírito Santo. Secretaria de Estado de Economia e Planejamento. Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória, n. 1, Jul 2010. Disponível em: Nov 2010.
 Acessado em 02Mar2011
FARRINGTON, David P. Fatores de risco para a violência juvenil. In: Éric Debarbieux e Catherina Blaya (Org). Violência nas escolas e políticas públicas. Brasília: UNESCO, 2002.
GLAESER, Edward L.; SACERDOTE, Bruce. Why Is There More Crime in Cities? The Journal of Political Economy, Vol. 107, No. S6 December, 1999, pp. S225-S258.
HANNAN, Michael T. Families, Markets, and Social Structures: An Essay on Becker's A Treatise on the Family. Journal of Economic Literature, Vol. 20, No. 1, Mar., 1982, pp. 65-72.
HOFFMANN, Rodolfo; LEONE, Eugênia Troncoso. Participação da mulher no mercado de trabalho e desigualdade da renda domiciliar per capita no Brasil: 1981-2002. Nova Economia, Belo Horizonte-MG, v. 14, no. 2, p. 35-58, maio-agosto de 2004.
MELO, Frederico Luiz Barbosa de. Trajetórias no mercado de trabalho: perfis socioocupacionais de indivíduos e casais da Grande São Paulo. Tese (Doutorado em economia). Belo Horizonte, CEDEPLAR – UFMG, 2006.
PROBST, Elisiana Renata.  A evolução da mulher no mercado de trabalho. Instituto Catarinense de Pós-Graduação, 2005. . Acesso em 21.12.2010.
SANTOS, Marcelo Justus dos. Dinâmica Temporal da Criminalidade: Mais Evidências Sobre o “Efeito Inércia” nas Taxas de Crimes Letais nos Estados Brasileiros. Revista Economia, Brasília-DF, v. 10, n. 1, p. 169-194, jan/abr 2009.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência: Anatomia dos Homicídios no Brasil 2010. São Paulo: Instituto Sangari, 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 Mar 2011.
_______. Mapa da Violência 2011: Os jovens do Brasil. São Paulo: Instituto Sangari e Ministério da Justiça, 2011. . Acesso em:20 Mar 2011.


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